segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Ida às compras

Confesso que sempre tive alguma curiosidade em perceber como é possível a minha irmã Joana demorar quase três horas para sair de casa. Eu vejo por mim: cinco minutos bastam para me preparar. Agora ela fecha-se no quarto dela e leva tempo e tempo e tempo para se aprontar; e quando abre a porta, quase parece uma boneca de tanta pintura em cima, e veste pouca roupa… e curtinha.


Uma tarde, aproveitei a porta aberta do seu quarto (ela tinha ido à casa de banho) para me esgueirar lá para dentro, escondendo-me num armário. Quando estávamos todos em casa, Joana não deixava praticamente ninguém lá entrar – muito menos a mim. Mas lá está: eu queria saber no que perdia ela tanto tempo.
Assim que fechei a porta daquele armário, ouvi a campainha da porta. Pouco depois, a porta da rua abriu-se e comecei a ouvir mais vozes femininas. Deviam ser as amigas de Joana. Não se percebia nada do que elas diziam principalmente por causa da aparelhagem do quarto da minha irmã, que tocava um CD de uma daquelas boys-bands que elas molham a cueca para verem. Então a porta do quarto abriu-se e as quatro raparigas entraram.
Pelo que pude ver na fresta da porta que eu havia escolhido como esconderijo, estava ali o grupinho que costumava andar com a minha irmã: para além da minha irmã Joana, estavam ali Sara, Bruna e Lúcia. Qualquer uma delas fazia os rapazes da minha turma – e das outras turmas – bater mal, porque todas elas eram giras… e todas elas tinham a mania que eram boas, principalmente a minha irmã. Por isso nunca tinham os mesmos namorados durante muito tempo, gostavam de os ir rodando.
Enquanto eu pensava em tudo isto, Joana estivera em frente do espelho, a experimentar roupas que estavam em cima da cama, com as amigas a darem opiniões. A música estava altíssima, pelo que perceber o que diziam era impossível, mas de vez em quando lá se apanhava uma frase ou uma palavra: aparentemente elas iam ao centro comercial para ver montras e gajos. Suspirei: a minha irmã mais velha podia ser tão superficial…
Voltei a olhar: ao que parecia, a minha irmã já se tinha decidido por um top de alças que dava para andar de umbigo à mostra e uns calções de ganga curtinhos, tão curtinhos que os bolsos apareciam por baixo das pernas. Abanei a cabeça ao ver aquilo. Depois ela sentou-se em frente ao espelho e começou a agarrar em estojos de maquilhagem, sempre falando com as amigas. Amaldiçoei o CD que estava na aparelhagem, pois assim não conseguia perceber as conversas; só entre músicas era perceptível o que diziam, com elas sempre a falar de coscuvilhices, basicamente chamando cabras às colegas de turma por este ou aquele motivo e comparando gajos.
Subitamente, a porta do armário onde eu me escondera abriu-se de rompante; e eu, que estava apoiado nela, fiquei desamparado e mal tive tempo de amparar a queda com os braços antes de cair no chão. Enquanto caía, pude ouvir a voz de Joana:
- Mas que raio…? Luís?!
Ao lado dela, as amigas riam-se à gargalhada.
- O que raio estás tu a fazer aqui, foda-se?! Achas isto bem?!
- Ele andava era a ver se te via descascada… – comentou Lúcia, ainda a rir-se.
- Vá ver, Luís, fala! Que estavas tu a fazer no armário? – continuou Joana, com voz irritada.
- Epah, deixa-me! – respondi, chateado por ter sido descoberto – Queria ver no que…
- Querias ver-me as mamas? Ou a alguma delas?
- Não!
- Vou dizer ao pai! – ameaçou ela.
Engoli em seco. O meu pai era uma pessoa severa que não gostava que faltassem ao respeito à filha… mesmo que fosse o irmão dela.
- Não vais nada…
- Vou sim! Vou dizer ao pai que me andas a espiar a ver se me vês nua! E depois podes dizer adeus à Playstation!
- Queixinhas…
Depois, Sara aproximou-se de Joana e sussurrou-lhe algo ao ouvido, e o que ela ouviu fê-la rir-se.
- Andas a querer ver as minhas roupinhas? – disse a minha irmã.
- Ele tem inveja de os trapos que ele veste serem da praça! – continuou Lúcia.
- Se calhar temos de ir com ele às compras! – prosseguiu Bruna.
- Parece-me bem, vamos ao Almada Fórum, compramos roupas para nós e para ti também… – riu-se Sara.
- Roupas para mim? Vocês estão mas é malucas. – retorqui, aos berros. Ia para sair do quarto mas elas meteram-se à frente.
- Luís, ou vens connosco, ou vou dizer ao pai que me andas a espiar quando estou nua.
- Isso é mentira! Nunca te vi nua!
- Ohhh, mas o pai acredita mais em mim do que em ti… – e Joana piscou os olhos, fazendo cara de menina inocente.
Nisso a minha irmã tinha razão. Talvez por ser rapariga ou mais velha que eu, mas o nosso pai passava mais cartão ao que ela dizia do que a mim… suspirei fundo.
- OK, pronto… mas não digas ao pai.
- Boa! – gritaram as quatro, batendo as palmas. Depois elas começaram a agarrar-me na roupa, com intenção de me despir.
- Hey! Que estão a fazer?
- Não vais sair connosco vestido dessa forma… Luísa! – respondeu Lúcia, despindo-me a t-shirt.
- Quem é a Luísa?
- Tu!
- Espera… – levantei um braço – vocês querem-me vestir de gaja e sair à rua?! Foda-se, vão p’ró caralho!
- Tu é que sabes… – comentou Joana – Diz adeus à Playstation e à bicicleta, quando eu contar ao pai o que andas a fazer no meu quarto…
Senti-me a entrar em pânico. Se Joana lhe contasse aquela peta, eu estava morto. Mas a alternativa não sei se seria pior ainda… Acabei por deixar cair a cabeça em sinal de derrota.
- OK, OK…

Perto de meia-hora depois, eu soube porque perdiam as raparigas tanto tempo quando se preparam para sair. Em primeiro lugar elas despiram-me, deixando-me apenas nu – e rindo-se ao verem a minha picha; depois molharam-me as pernas muito bem, pegaram numa máquina e entretiveram-se a cortar-me os pêlos todos que tinha, passando depois para os que tinha no peito e sovacos. Depois, foram arranjar uma peruca loira algures (nem sequer vi onde a foram buscar) e colocaram-ma na cabeça, prendendo-ma com ganchos e sei lá mais o quê. Depois deram-me uma tanga justa e disseram-me para a vestir, coisa que eu fiz, sentindo-me verdadeiramente humilhado, para se seguir uma mini-saia com pouco tecido e uma camisa, na qual deram um nó na parte de baixo para ficar com o umbigo à mostra. E se até aí eu já me sentia miserável, o pior viria a seguir… quando Sara abriu o estojo de maquilhagem e começou a passar ali um pincel por umas coisas quaisquer e posteriormente a passar-mo na cara, e depois vieram lápis nos olhos, baton… Confesso que fiz um esforço enorme para não começar a chorar de raiva. Só que, para variar, Joana ameaçara ir queixar-se ao pai se eu o fizesse, por isso tive que me aguentar.
- Vá ver, Luísa, estica os dedinhos! – riu-se Sara, com um frasquinho de verniz nas mãos.
Mais uma vez obedeci e não reagi assim que ela começou a passar-me o pincel impregnado de verniz para ficar com as unhas cor-de-rosa choque, fazendo o mesmo posteriormente às dos pés. Enquanto isso, Joana entretinha-se a tirar fotos ao meu look.
- Isto é lindo! Agora fico com imenso material para te chantagear durante anos! – regozijou-se ela, tirando mais uma foto.
- Pronto, diria que a menina está pronta! – declarou Sara, fechando o frasco do verniz.
- Boa, então vamos! – disparou Bruna, fazendo-me andar de braço dado com ela.
Joana fez o mesmo e saímos do quarto dela, rumo à rua. Engoli em seco e preparei-me para o pior.

As horas seguintes foram absolutamente inenarráveis. Aquelas quatro fizeram-me sentar no meio delas, no comboio, depois no autocarro e levaram-me de mão dada da paragem até ao Almada Fórum.
Lá dentro, todas as pessoas por quem passávamos ficavam de olhos fixos em mim, apesar de eu tentar passar o mais despercebido possível. Lúcia falava com as outras em voz alta das roupas que queriam comprar “para a nova amiga Luísa”, o que causava às restantes vontade de rir. Passámos junto a um grupo de rapazes e eles começaram logo a meter-se comigo, assobiando à minha passagem. Depois Bruna disse que lhe apetecia um gelado, o que nos fez parar junto à gelataria e pedir cada uma o seu gelado – até eu. Quando chegou à minha vez, tentei fazer a voz o mais fina possível, o que provocou a risada geral às miúdas e ao empregado que nos atendeu. Continuei a tentar abstrair-me daquela situação, mas nem sequer o gelado me soube bem. Quando nos despachámos, continuámos rumo às lojas de roupa do primeiro andar.
Corremos as lojas de gaja todas, até as de lingerie, e elas compraram imensa roupa. Quanto a mim, elas fizeram questão de me fazer escolher roupas e falar com as empregadas das lojas, fazendo-as sorrir, e levaram-me para os gabinetes de prova para experimentar tantas peças de roupa que até lhes perdi a conta. Os olhos de Joana até brilhavam ao ver-me naqueles preparos! E ela fez-me comprar alguma roupa, uns tops e saias, para além de muita lingerie. Não sei que tinha ela planeado para mim…
Perdemos talvez umas três horas só naquela zona, antes de Lúcia se queixar que estava com fome. Pensei que isso significasse o fim das minhas penas e que regressássemos a casa… mas, em vez disso, elas pegaram nos sacos e em mim e foram para o segundo andar, rumo ao McDonald’s. Tive mais uma vez de fazer voz fina para disfarçar, mais uma vez com resultados hilariantes. Enquanto as raparigas se riam e comiam em alta galhofa, eu fui mastigando o meu hambúrguer sem vontade. O meu estômago havia-se fechado com aquela tarde de autêntica humilhação …
Assim que acabou tudo de comer, Bruna olhou para o telemóvel.
- Já é tarde… acho que vou para casa. O dia valeu a pena!
Todas a imitaram, pois já passava das 21h. Fomos para a paragem do autocarro e aí nos separámos, com promessa de “falarmos amanhã”. Não sabia de que falavam…

Assim que chegámos a casa, fomos ambos para o quarto de Joana. Assim que se fechou a porta, tirei aquelas roupas que me haviam vestido assim como a peruca, finalmente chorando de raiva após tantas horas a engolir… Enquanto isso, a minha irmã ria às gargalhadas.
- Isto significa guerra! – brami enquanto me vestia com as minhas roupas, descartadas no chão havia tantas horas.
- Não, não significa, maninho. – declarou ela – Tu não vais fazer nada. Na verdade… tu agora és meu. Porque se não fizeres o que eu quiser, o que me der na real gana… o teu Facebook vai ser inundado por algumas das fotos que eu te tirei esta tarde. Todos os teus amigos vão ver a Luísa toda pipoca, vestida e maquilhada.
Senti-me empalidecer: Joana queria fazer da minha vida um autêntico inferno…
- Portanto, querido maninho, – continuou ela – se quiseres manter essa tua imagem de puto viril e másculo, é melhor que faças tudo o que eu disser.
Aproximei-me da porta do quarto dela para sair, já vestido como eu mesmo, e nem sequer lhe dei uma resposta. Todavia assim que a abri, ela ainda disse:
- Mesmo assim, acho que a Luísa devia aparecer mais vezes, não achas?
- Vai à merda!
Bati com a porta e fugi para a casa de banho, para ver se arranjava forma de tirar o verniz e a maquilhagem, enquanto eu pensava em como descalçar aquela bota e sair daquele domínio que Joana agora tinha sobre mim.

(história seguinte)

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