terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A história de Ana (parte 5)

(continuação...)

Comprei um pequeno apartamento em Miramar, na Flórida, um lugar que preenchia as minhas necessidades. Assim que todas as minhas coisas estiveram prontas, liguei à Tommy para falar com ela a respeito da minha situação. Ela recebeu-me de volta, e acabámos por acordar um contrato a tempo inteiro, tenho-a a ela como minha agente, contrato esse que seria assinado depois de um jantar.
Grant estava ainda na agência, tendo-se tornado um dos seus fotógrafos principais; ainda gostava bastante dele, portanto, a ideia de o ter a fotografar-me nua e amarrada agradava-me bastante… e eu creio que ele percebia isso também, e sentia o mesmo, pois, para além de todas as reuniões de trabalho, sessões, começámos a ver-nos fora do trabalho, em ocasiões mais pessoais, convidando-me ele para um café, ou para assistir a um espectáculo qualquer… Já não me recordo quem deu o primeiro passo, mas não levou muito tempo até começarmos a namorar. Todavia, por essa altura, descobri que não era só ele a nutrir sentimentos por mim…

 
Aconteceu durante um daqueles jantares com a Tommy. Estávamos a jantar, conversando sobre temas de chacha, de coisas que víamos na TV, quando ela teve de ir à casa de banho. Ela havia deixado a sua mala na mesa, um pouco aberta. Calhei a olhar para ela, enquanto mastigava, e pareceu-me ter avistado lá dentro uma foto de alguém nu. Parei de mastigar, um pouco embaraçada, à medida que pensava no que fazer. Sabia que aquilo eram assuntos dela, mas estava terrivelmente curiosa para ver se os meus olhos não me teriam pregado uma partida… Deveria tirar a foto, perguntar à Tommy o que era aquilo, ou ignorar o assunto por completo? A minha curiosidade acabaria por levar a melhor: coloquei a mão dentro da sua mala… e retirei uma mão-cheia de foto em que eu aparecia, amarrada e amordaçada, da anterior sessão.
Fiquei sem palavras, no preciso momento que Tommy regressava. Ficámos ambas a olhar uma para a outra, sem saber que dizer, com ela a sentar-se novamente.
- O-o que significa isto, Tommy? – perguntei, um pouco alto demais.
- Ana, eu, ehm… – ela olhou à sua volta – Podemos falar sobre isto mais tarde, por favor?
Ela tinha razão: aquele lugar, de todo, não era o mais indicado para discutirmos aquele assunto. Todavia, a partir daquele momento, a refeição deixou de me saber bem.
Quando chegámos ao carro dela, não lhe dei tempo para respirar.
- Então, Tommy, queres-me explicar?
Ela olhou para o para-brisas.
- Não te vou mentir, Ana, ou andar aqui com paninhos quentes. A verdade é que… tu excitas-me.
Engoli em seco.
- O quê?
- Adoro ver-te amarrada, a debateres-te para te libertares, sendo torturada, penetrada… – ela acariciou-me o rosto – És tão adorável, bonita, que até eu mesma gostaria de te amarrar.
Tenho de confessar: estava à espera de muitas respostas, mas aquela apanhou-me completamente desprevenida. Não que ela fosse feia, muito pelo contrário, até era bastante bonita!, mas são palavras que não se ouvem com regularidade…
- O que… – comecei.
Ela moveu-se tão depressa que não tive tempo para nada. De repente, os seus braços envolveram-me, os nossos lábios entraram em contacto e a sua língua invadiu a minha boca. Assim que o meu espanto passou, tentei lutar contra ela, mas acabei por me render aos seus braços, beijando-a de volta.
Acabámos no seu apartamento. Era estranho, pelo menos para mim, ver uma agente de modelos a viver num lugar tão normal – até ver o tamanho daquele apartamento. Era enorme! Todavia, não pude ver muito dele, pois Tommy já me havia atirado para cima de um sofá, prendendo-me de encontro ao mesmo, já com um pedaço de corda nas suas mãos, com o qual ela me amarrou os cotovelos e os pulsos atrás das costas. Ela virou-me, com os seus olhos a arderem de desejo, levantou a sua saia e tirou a sua tanga branca.
- Gostas delas, Ana? – perguntou, agitando a peça de lingerie que tinha na mão.
Lambendo os lábios, assenti.
- Eu sei, minha querida putinha. São para ti. – e dito isto, ela forçou-me a abrir o queixo e empurrou-me a tanga, já encharcada após a luta para me subjugar, para dentro da boca, fechando-a de seguida com fita adesiva. Aquela peça de lingerie, já com os seus sucos vaginais, sabia-me deliciosamente e fez-me sentir excitada. De seguida, ela desabotoou-me a minha blusa, reparando no meu soutien de seda vermelho, e baixando-o logo imediatamente para inspecionar os meus mamilos.
- Muito bem, minha cabra, já pronta para mim. – ela sorriu – Deveria vestir algo mais condizente para a ocasião… mas acho que isto vai servir.
De facto, servia. Tommy já havia retirado a sua t-shirt, mostrando-me os seus seios enormes, quase saindo fora de um corpete preto. Ela tirou-me os meus jeans e a minha tanga, sem grande cerimónia, deixando a minha ratinha exposta, para depois levantar a sua saia e sentar-se em cima dos meus seios. Quando ela começou a esfregar os seus lábios pelo meu mamilo, ela começou a gemer, à medida que eu me comecei a sentir ainda mais excitada… e a minha vulva começou a ficar encharcada.
- Oh meu Deus… é tão bom sentir os teus mamilos contra a minha rata grande… – ela suspirou – Queres vê-la?
Assenti, e ela baixou o fecho da saia e tirou-a; as suas mãos agarraram nos seus próprios mamilos e começaram a brincar com eles. A sua rata estava tão grande, tão molhada, parecendo tão apetitosa, que tive um desejo bem forte de a provar. Gemi por trás da minha mordaça, tentando fazê-la perceber que gostava de a lamber.
- Queres provar-me, minha puta?
Assenti novamente.
- Tens de ganhar direito a isso, primeiro… – e continuou a estregar o seu baixo-ventre nas minhas mamas, lambendo os seus lábios, de prazer, e inserindo o meu mamilo dentro da sua vulva – Mmm, os teus mamilos são… Oooooohh… – então gritou quando se começou a vir, e eu senti o meu seio a ficar encharcado.
- Olha… olha para isto… a minha cabra está a ficar suja com os meus fluidos… a minha puta…
A sua língua suja, o seu leite nas minhas mamas, somando as cordas que me amarravam, ter aquela deusa de pele cor de ébano em cima de mim e as suas cuecas dentro da minha boca, tudo aquilo estava a deixar-me à beira do clímax, também; porém, ela reparou nisso e levantou-se, apesar de ainda se estar a vir, com os seus fluidos a pintarem por cima de mim.
- Ah não, nem penses nisso, minha puta… tu vais-te vir quando eu quiser, e não antes disso. – e ela continuou a brincar com os seus mamilos. Olhei para ela, gemendo, quase pedindo por favor para que ela me deixasse vir, que me tocasse, mas ela continuava a torturar-me, a encher-me com o seu sémen nos meus seios, a minha barriga, a minha cara.
Ela levantou-se do sofá, ajoelhando-se ao meu lado. Toda eu tremia de ansiedade, com desejo. Tommy agarrou-me e deitou-me gentilmente no chão, de joelhos à frente do sofá. Lentamente, ela removeu a fita da minha cara, depois agarrou as cuecas que me recheavam a boca e tirou-as; em seguida, ela sentou-se no sofá, de pernas abertas, com o seu baixo-ventre a apenas uns centímetros da minha cara. A sua rata cheirava tão bem… Sem aviso, beijei os seus lábios vaginais, a sua rosinha, e comecei a penetrá-la com a minha língua. Tommy respirava pesadamente, com ambas as suas mãos a brincarem com os seus mamilos.
- Fode-me bem fundo, minha cabra… – sussurrou ela, enquanto uma das suas mãos me agarrava pelo cabelo.
Cada lambidela minha, cada penetração, fazia com que mais leitinho dela me entrasse na boca, e eu estava a adorar. Ela sabia como ostras, como cerejas, como morangos… comecei a sentir-me pronta a atingir o clímax outra vez; parei e perguntei:
- Meu amor… p-por favor, posso-me vir?
- Ooooh, não me parece, minha puta fodilhona… continua a lamber-me até eu te dizer.
Ainda a tremer, continuei a dar prazer à Tommy, sentindo-me tão bem por estar entre as suas pernas, a provar o seu clitóris… e então percebi que estava bem próximo do orgasmo; tentei pensar em outras coisas, mas aquele odor maquiavélico que vinha do seu sexo era enlouquecedor, hipnotizador. Apertei as minhas pernas, tentando contê-lo, mas foi inútil: segundos depois, comecei a gemer.
- Não… sim, vem-te para mim, meu amor, minha puta… – Tommy gritou, o seu orgasmo ainda durando. Sentia os meus fluidos a escorrerem-me às pernas abaixo, enquanto a minha língua ainda lambia a sua rata, limpando-a do seu próprio leitinho.
Subitamente, Tommy empurrou-me para longe dela, fazendo com que cada uma se acalmasse no seu canto. Quando ela se recompôs, aproximou-se de mim novamente; todavia, em vez do beijo esperado, ela limitou-se a recolocar-me a tanga na boca e a fechá-la novamente com fita adesiva, colocando-me novamente no sofá, amarrando-me as pernas também, e depois saiu por uma porta. Regressou momentos depois, com uma câmara vídeo numa mão e um vibrador longo na outra.
- Altura de arranjar algo para o meu divertimento privativo. – declarou, com um sorriso lascivo nos lábios. Ajoelhou-se ao pé do sofá e, gentilmente, beijando as minhas coxas, ligou o brinquedo e foi-o inserindo na minha rata; depois disso, deu uns passos atrás e começou a filmar-me à medida que aquele falo de plástico vibrava dentro de mim.
- Então, minha cabra, como é teres o meu brinquedo dentro de ti? Ainda molhado da minha cona ontem à noite, quando o usei a pensar em ti…
Lutei contra as minhas amarras, libertando gritos abafados, enquanto aquilo que estava dentro de mim me fazia sentir ainda mais prazer, assim como ser filmada enquanto aquela mulher dominadora me humilhava e me tratava como uma puta. Comecei a actuar para ela, fazendo o que ela queria, o que ela adorava: debati-me, lutei, gemi para ela.
- Sim, minha putinha, actua para mim… faz-me sentir molhada, como me deixas sempre, nas tuas sessões fotográficas… mostra-me de que és feita, porca.
Tenho de admitir: a sua conversa estava a encher-me de tesão. Fez-me sentir tão rebaixada, mas, ao mesmo tempo, tão bem… e quando o meu corpo voltou a tremer e eu voltei a gemer, chegando a mais um orgasmo, a lente da sua câmara focou-se na minha ratinha, alternando entre o meu baixo-ventre e a minha cara.
Pensei que ela me fosse deixar ali a debater durante mais tempo para me filmar, mas então ela desligou a máquina e agarrou no seu vibrador, debruçando-se sobre mim. Soltou-me as pernas e começou a tirar o brinquedo, todavia voltou a empurrá-lo para dentro de mim, ao mesmo tempo que se deitava sobre o meu corpo, entre as minhas pernas abertas.
- Um dia destes, quando menos o esperares, dou-te uma foda como nunca na tua vida levaste, puta. Até vais ganhar um andar novo! – disse, soltando uma gargalhada a seguir.
Mesmo assim, ela estava decidida desde já a mostrar-me o que queria fazer, pois começou a simular que me penetrava, fazendo movimentos para frente e para trás, segurando o vibrador na mão direita e empurrando-o e tirando-o de dentro de mim. Eu já não sabia como havia de estar, com aquela mulher demoníaca a abusar sexualmente de mim, mas sabia que estava a adorar. O seu vibrador penetrava-me com rapidez, levando-me novamente à beira da loucura. E não parou de me enfiar aquele brinquedo na rata até atingir o clímax; só quando voltei a gemer é que ela parou de me penetrar e me tirou o vibrador, lentamente.
Enquanto me acalmava, olhei para aquela deusa negra, enquanto ela agitava o seu brinquedo, sorrindo.
- Agora o meu vibrador está cheiinho do teu leitinho… nem imaginas como me vou deliciar com ele daqui em diante. – e deu uma gargalhada, colocando-o em cima de uma mesa. Depois, libertou-me os braços e retirou-me a mordaça. Enquanto me vestia, olhei para o relógio na parede e reparei que era quase uma da manhã.
 - Não te preocupes, querida, eu dou-te boleia até casa. – Tommy declarou, recompondo as suas roupas também.
- Eu, uh… obrigado, Tommy. – engoli em seco e corando quando reparei que ela ia sair de casa sem cuecas…e lembrando-me do uso que ela lhes tinha dado.

Olhando para as minhas relações com o Grant e a Tommy, dei por mim a aperceber-me que tinha encontrado “substitutos” para o Carlos e para a Andreia: afinal de contas, eu tinha amor e carinhos dele, e sexo, dominação e bondage com ela. Não que eu e ela não nos amássemos; mas, sempre que estávamos juntas, lançávamos olhares lascivos uma à outra, todos os dias enviávamos SMSs picantes uma à outra (normalmente era ela a enviá-las, a dizer-me o que gostava de me fazer, à medida que eu ia sentindo as minhas cuecas a humedecerem). Era tão bom ter algo com ela, manter algo secreto do mundo… mesmo do Grant. Afinal de contas, não sabia como iria ele reagir se soubesse o que se estava a passar, pois ainda não o conhecia bem a fundo.
Como prometido, fui-me mantendo em contacto com o Carlos e a Andreia. O seu curso de treinador estava quase acabado e, segundo o que ele me disse, estava a correr bem, enquanto a minha irmã continuava a estudar à noite e a trabalhar na loja durante o dia. Ambos ficaram surpreendidos quando lhes contei do Grant e da Tommy, mas desejaram-me que tudo corresse bem com eles.
Passaram-se meses sem grandes mudanças na minha vida e nas minhas rotinas, até que, nos primeiros dias de 2004, Grant pediu a minha mão em casamento. Fiquei surpreendida mas feliz. A nossa relação era sólida e destinada a resultar – tudo indicava – e, finalmente, ele havia dado o passo que eu mais desejava.
Todavia, acho que as coisas começaram a correr mal logo no início, pois ambos queríamos a cerimónia à nossa maneira: ele desejava que o acto se limitasse unicamente ao assinar dos papéis e à troca dos anéis, ao passo que eu aspirava a ter um evento em grande, com a minha família, amigos, enfim, algo ao nível do casamento do Carlos e da Andreia. Só que ele insistiu que tínhamos de poupar dinheiro, que tínhamos de nos limitar a algo mais em conta… e eu acabei por ceder. Casámos a 6 de Março de 2004; eu tinha acabado de fazer 23 anos, ele tinha quase 27, e ficámos a viver numa casa comprada a meias em Fort Lauderdale, ainda na Flórida.
Não sei… talvez me tenha casado com ele esperando que ele fosse como o Carlos, que as similaridades não se limitassem só à parte física. Talvez as minhas expectativas fossem muito elevadas. O que é certo é que o nosso casamento não foi feliz. À medida do passar dos anos, ele foi-se transformando numa pessoa ciumenta e agressiva, chegando ao ponto de me bater quando, depois de alguns anos às escuras, lhe contei da minha relação com a Tommy. A minha situação afectiva começou a afectar-me de tal modo que comecei a recusar alguns trabalhos porque andava demasiado stressada com a minha vida, por me sentir sozinha – e, desta vez, a minha mana grande estava com a sua vida, demasiado longe para me poder valer: estava por minha conta. Sendo sincera, aqueles anos fizeram-me lembrar da minha infância sozinha com a Estèlle, as alturas em que chorava na cama até adormecer.
Todavia, e apesar de toda a merda em que se havia tornado a minha vida privada, a minha carreira como modelo erótica foi prosperando. Apareci em alguns sites eróticos, com cada vez mais fotógrafos e publicações interessadas em fotografarem-me, sempre com o meu corpo descascado atado e deitado no chão, aos pés, normalmente, de uma mulher – apesar de ter entrado em algumas sessões em que o papel de dominador era pertença de um homem; era tudo igual mas sem a interacção sexual.
Com o tempo, até os meus contactos com a minha dupla favorita se foram tornando mais escassos e, quando aconteciam, sentia que havia algo que não estava certo, algo que eles não me estavam a contar. Carlos havia-se tornado treinador do Desportivo de Seixal, os campeões nacionais em título da Liga Portuguesa, logo após ter acabado o seu curso, e já havia levado o clube à conquista de Ligas dos Campeões e Taças Intercontinentais… e gritando com os seus jogadores durante todo o jogo. Sendo alguém cujo sangue fervia à mínima pedrada – apesar de parecer alguém extremamente calmo – lembro-me de uma vez ter visto um jogo deles com o FC Porto no Porto onde, após a vitória do Desportivo, ele chegou a agarrar na bandeira do clube e a espetá-la no meio do relvado, sob um coro de assobios e insultos dos adeptos que estavam na bancada. Dei por mim a pensar “Ele é doido… está a ver se o matam…” Quando à minha irmã, havia finalmente acabado o 12º ano, estava em vias de se despedir da loja onde trabalhava para ir à procura de algo melhorzito e com melhor salário. Do meu lado, não lhes contei sobre o Grant. Porque haveria de o fazer? Eles não me podiam ajudar, tinham os seus problemas, também… e senti que não eram ligeiros. Tinha de ser eu a tratar de fazer algo por mim.
E a minha oportunidade acabaria por surgir. Um dia, em Julho, fui mais uma vez agredida um par de vezes (aparentemente, eu tinha chegado a casa tarde porque tinha estado “com aquela preta de merda” quando, na realidade, eu apenas tinha ido até ao ginásio). Depois de me recolher ao quarto a chorar, achei que já tinha aguentado o suficiente: enviei uma SMS à Tommy, disse ao Grant que a minha irmã Andreia estava com um problema de saúde urgentíssimo, nem esperei para ouvir o que ele disse e saí porta fora, onde entrei no carro da Tommy, que já me esperava, fomos que nem um tiro para o aeroporto e comprei um bilhete para o primeiro avião que me pudesse levar até Portugal. Quase sem acreditar no que havia conseguido fazer, beijei Tommy com paixão, na boca, em pleno aeroporto, e despedi-me dela com pesar, apesar de ambas sabermos que seria por pouco tempo – afinal de contas, ela ainda era a minha agente e continuá-lo-ia a ser.
 A viagem foi longa, porque tivemos de fazer escala em Paris, e a minha ansiedade estava a crescer até um ponto absolutamente insuportável. Pela altura que eu cheguei a Lisboa, quase um dia depois de ter arrancado da Flórida, à noite, não me preocupei com mais nada, apenas em entrar no primeiro táxi que encontrasse disponível, dizendo ao motorista para ir para a Verdizela o mais depressa possível, pois precisava de regressar àquela casa, àquele meu cantinho onde sempre me sentira confortável e de onde, reconhecia agora, nunca deveria ter saído.
Assim que chegámos ao portão da casa deles, paguei ao taxista, abri o portão, corri para a porta de entrada e toquei à campainha, toquei novamente, esperei… e continuei a esperar, sem que se ouvisse vivalma, sem nenhum sinal de vida. Voltei a tocar outra vez, começando a pensar se eles teriam saído à noite, mas de súbito ouvi a fechadura a ser mexida e a porta a abrir-se. Corri de encontro a essa pessoa, pronta a abraçá-la e a enchê-la de carinho, mas estaquei, estarrecida, olhando para a cara que eu tanto amava e deparando-me com o vermelho nos seus olhos, com as lágrimas que inundavam os seus olhos, a tristeza e a dor que eram patentes na sua cara, os nós dos dedos em sangue, a barba de três dias na face… e a mancha de sangue na perna direita das calças.
- Meu Deus, Carlos, o que aconteceu?! Estás bem?! – consegui perguntar após engolir o meu espanto, abraçando-o fortemente, sem sequer me importar com o sangue que começou a passar das suas calças para as minhas.
- A-Andreia? Voltaste… – disse, numa voz fraca.
Engoli em seco: ele havia-me confundido com a minha irmã… Gentilmente, deitei-o no chão, despindo-lhe as calças e olhando para a ferida na perna. Não era nada de grave, mas ainda assim precisava de cuidados.
- Credo, Carlos, sou eu, a Ana. O que te aconteceu? Onde está a minha irmã?
Piscou os olhos, tentando ver melhor a minha cara, depois o seu rosto voltou a fechar-se.
- Foi-se. – e a sua cabeça caiu no chão.
- Como assim? – engoli em seco. Ele não podia estar a dizer aquilo que eu estava a imaginar…
- Ela saiu de casa ontem, ou anteontem, disse que as coisas já não davam mais. Deu-me aquele papel e disse que ia ficar uns dias em casa de uma amiga. – e apontou para uma folha branca que estava em cima da mesa. Agarrei-a e vi que era uma carta de divórcio… e senti algo às voltas no meu estômago.
- Mas… mas porquê? 
E ele disse-me. Disse-me tudo aquilo que eles não me contavam durante os nossos contactos. Disse-me que ambos sentiam que o seu amor não era forte o suficiente para uma relação daquele tipo, que a coisa principal que os unia era o sexo, que estarem juntos apenas para duas ou três quecas por dia era um completo desperdício de tempo, que eles podiam perfeitamente fazer isso mesmo separados… até que, naquela semana, ela havia-lhe entregue aquela folha de papel, arrumado as suas coisas e saído de casa.
- O que mudou nestes anos? Porque é que um amor como o vosso se deteriorou dessa forma? – ousei perguntar.
Ele fixou-me nos olhos.
- Faltava algo, Ana, algo que desapareceu… faltava o sal da nossa relação, aquilo que nos unia a ambos, o cimento… faltavas tu…
Fiquei siderada a olhar para ele. O que raio queria ele dizer? Mas o seu estado de fraqueza – para além da ferida na perna, feita por ele próprio num momento de fúria – preocupava-me acima de tudo: chamei uma ambulância e acompanhei-o ao hospital, dando-lhe a mão e não saindo de perto dele até que o chamaram e me disseram que não o podia acompanhar. Já era manhã… estava com uma dor de cabeça tremenda, derivado de estar acordada havia quase dois dias, mas não queria descansar, tinha de tirar tudo a limpo. Não conseguia acreditar que Andreia, a minha irmã do peito, a minha maior amiga, a minha maior amante, tinha cometido um acto vil daquela categoria. Agarrei no meu telemóvel e liguei-lhe.
- Olá, mana! – atendeu-me.
- Onde estás tu?
- Em casa, onde querias tu? Não é…
- Cala-te, Andreia. A sério, onde é que tu estás? – não lhe ia dar qualquer chance.
- Já te disse que…
- EU JÁ PASSEI POR TUA CASA!!! – gritei – E SABES O QUE ENCONTREI?! SABES?!
Ela não respondeu: ouvi-a a engolir em seco.
- Eu vou-te perguntar novamente e tu vais dizer-me a verdade: onde raio estás tu?
- Tu… tu estás em nossa casa?
- Não. Vim ao hospital, a acompanhar o teu marido após o ter encontrado meio-morto em casa. Agora fazes o favor de responder à merda da pergunta?
- Na… na casa de uma amiga.
Ela deu-me o endereço e eu chamei um táxi para me levar até lá; não era muito longe da casa deles na Verdizela. Era uma habitação mais pequena, mas ainda assim possuía uma piscina. Sem cerimónias, fui até à porta de casa e bati. Segundos depois aparecia a minha irmã… fracamente coberta com um robe semi-transparente, que dava para ver que ela tinha furado os mamilos, para além do nariz e de ter mais brincos nas orelhas que os que eu me lembrava.
- Ana…
- Explica-me esta merda, fazes favor.
- Eu… – começou, mas parou quando apareceu outra mulher atrás dela, com cabelo negro pelo ombro e farto peito, envergando um biquíni, tocando-lhe no ombro.
- Quem é, amor?
- É… é a minha irmã, Ana.
- Ah, então esta é a rapariga de quem tanto me falas! Como estás? – ela sorriu para mim; encolhi os ombros.
- Ellen, querida, tenho de ter uma conversa em particular com a minha irmã, pode ser?
A outra rapariga acenou afirmativamente e virou costas, abanando o rabo. Ela pegou-me delicadamente no braço e conduziu-me para o jardim das traseiras. Quando começou a falar, foi em grego, para que mais ninguém percebesse.
- As coisas não são fáceis de explicar, querida… desde que saíste da nossa vida, as coisas alteraram-se, deram uma volta para pior. Foi como se… quando tivesses abalado, tivesse partido uma parte de nós. E depois, a verdade é que os últimos tempos com o Carlos têm sido… miseráveis. Não sei explicar, mas parece-me que só o sexo não é suficiente para se ter uma relação… e quando se tornou demasiado doloroso, achei que devia tentar procurar uma solução que nos fizesse ficar ambos bem. A Ellen é uma amiga minha, conhecemo-nos há algum tempo, ela sempre me disse que me adorava e decidi tentar…
Ouvir as suas razões estava a encher-me de raiva, dos motivos que ela empregou para atirar fora o homem da minha vida – posso chamar-lhe assim agora – como lixo. Então, fiz algo inesperado: levantei a mão e esbofeteei-a com força, de tal forma que os seus lábios começaram a ficar encarnados.
- Puta de merda! Como é que tu podes fazer uma coisa dessas?? – gritei, e creio que alguns vizinhos já estavam a olhar para nós. Andreia abanou a cabeça e colocou a mão sobre os seus lábios feridos.
- Ana, olha… sinceramente, eu lamento o que fiz, mas não sabia mais o que fazer, não sabia que opção tomar, e bem que matei a cabeça para tentar resolver as coisas em bem para ambos! Acredita no que quiseres… mas não importa o quanto odiei partir, tive de o fazer.
- Tu não sabes a puta de sorte que tiveste em encontrar alguém decente e carinhoso como ele… – resmunguei, amargurada – Tu é que merecias ter-te casado com o meu marido.
Ela olhou para mim.
- O que queres dizer?
- Sabes, eu casei-me com um idiota ciumento que me batia a partir do momento que soube que eu tinha uma relação com uma rapariga, é isso que eu quero dizer.
Ela pareceu horrorizada.
- A sério, querida. Nunca…
- Oh, cala-te! Nem te atrevas a mudar de assunto!! – estava realmente fora de mim… estava-me a comportar como alguém irracional; podia ser da falta de descanso, mas eu sabia que era principalmente por me sentir traída pela minha melhor amiga.
- Eu… – ela hesitou, mas ainda assim conseguiu continuar; para além do sangue nos lábios, os seus olhos pareciam estar molhados. – Querida, por favor desculpa-me. Eu sei que tu o amas imenso e nunca pensei que vos iria causar tanta dor, a ti e a ele… fui egoísta, reconheço-o... por favor, Ana, perdoa-me se conseguires, apesar de saber o quão magoada tu estás… mas, por favor, se puder pedir algo, por favor, não me odeies. Sabes que te amo e não te quero perder…
A minha raiva diminuiu de intensidade quando a vi a chorar e a tentar abraçar-me. Permiti que a sua cabeça pousasse no meu ombro, mas respondi:
- Não te posso perdoar já, Andreia. Tudo isto, a forma como tu “atiraste fora” o teu marido e o trocaste por uma gaja qualquer, assim como quem muda de cuecas, faz com que eu sinta que todos os anos que passámos juntos, nós duas e o Carlos, todas as coisas malucas que fizemos, tudo o que passámos, pareçam uma tremenda mentira, pareçam que foram baseados em algo falso… e, para além disso, tu magoaste o homem que eu amo, o homem que eu sempre amei… apesar do meu casamento, apesar das gajas com que eu possa andar, ele é o meu amor. Vou precisar de tempo, mana… preciso de tempo.
Virei-me e deixei-a.

(continua...)

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